quinta-feira, novembro 30, 2006

Votações e enviesamentos cognitivos

Desde já se adverte que o facto de, nesta votação, isto aparecer, da última vez que vi, à frente disto na lista dos melhores blogues temáticos, não tem qualquer fundamento racional, e só poderá ser uma consequência dos seguintes enviesamentos cognitivos:

1. Efeito de primazia, causado pela primeira votação ;

2. Efeito bandwagon, suscitado após as consequências do efeito de primazia, reforçando-o.

O conteúdo deste post é, por sua vez, explicado por um terceiro tipo de enviesamento cognitivo.

Sondagem referendo aborto

Mais uma, da Marktest. O texto não esclarece se a pergunta sobre intenção de voto foi apenas colocada àqueles que disseram tencionar votar (73%), mas é provável que assim tenha sido.



Continua a "clivagem" entre os resultados da Católica, da Intercampus e da Marktest, por um lado, e aqueles obtidos pela Aximage e pela Eurosondagem, por outro. Nestas condições, "tendências" é coisa sobre a qual nem vale a pena perder muito tempo, a não ser para dizer o óbvio: diminuição do "Sim" e aumento do "Não" na sondagem Marktest, mas demasiado pequenas para podermos daí inferir a existência de uma mudança real.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Mais Turquia

O Eurobarómetro 64, realizado há um ano, dá uma boa ideia dos sentimentos dos europeus em relação à entrada da Turquia na União Europeia. 55% dos Europeus são contra. A rejeição é mais elevada na Áustria, na Alemanha e em França, para cima de 70%. Isto é especialmente importante porque, como se dizia no Guardian a propósito de um estudo anterior, "France and Austria are due to hold referendums on Turkish membership once the accession talks end in about 10 years, all but guaranteeing that Turkey will be blocked if the current climate prevails."

É também por saberem isso que os turcos estão cada vez mais indispostos "connosco", como se vê neste relatório (.pdf). E como não? Para quê apoiar todas as reformas pedidas pela UE, algumas delas tocando nos receios de perda de identidade nacional e em temas que beliscam o nacionalismo turco, se, no final, os políticos europeus se escudarão por detrás dos referendos para deixar a Turquia de fora? O crescimento do cepticismo é perfeitamente racional.

É por tudo isto que a posição do Papa é tão importante. Afinal, até o Papa pode mudar de ideias...

terça-feira, novembro 28, 2006

Turquia

Quem também parece ter perdido a paciência, neste caso com a União Europeia, são os turcos:

International Strategic Research Organization, N=1100, Nov. 4, 2006
Should Turkey suspend its accession talks with the European Union (EU) in the event of continued pressure from the bloc on opening ports and airports?
Yes: 70%
No: 20%
Not sure: 10%

Do you think Turkey and the EU will reach a compromise on the row over ports and airports?
Yes: 26%
No: 63%
Not sure: 11%

O nacionalismo turco é uma coisa potente. Mas não é fácil persuadir seja quem for da seriedade das intenções europeias - ou da plausibilidade da entrada da Turquia na UE, faça a Turquia o que fizer - quando se vêem coisas como estas:

Alemanha, FG Wahlen / ZDF, N=1303, Nov. 9
Do you support or oppose Turkey’s accession to the European Union (EU)?
Support: 33%
Oppose: 61%
Not sure: 6%

Israel

Enquanto Olmert procura negociar com a Autoridade Palestiniana, os israelitas parecem ter perdido a paciência com Olmert. Para posição negocial, dificilmente poderia ser pior.

Teleseker / Maariv, N=450, Nov. 9, 2006.
Should prime minister Ehud Olmert resign?
Yes: 51%
No: 42%

Dahaf Institute / Yediot Ahronot, N=4999, Nov. 20, 2006
Who is best to be prime minister?
Benjamin Netanyahu:47%
Ehud Olmert: 22%

Mas as as coisas para a outra parte não estão muito melhor:

Palestinian Center for Public Opinion, 18 Out. 2006, N=1020
How do you evaluate the performance of the Palestinian Prime Minister, Mr. Ismael Haniyyeh at present?
Very good: 18%
Good: 23%
Mediocre: 26%
Bad: 15%
Very bad: 17%
Don't know: 2%

segunda-feira, novembro 27, 2006

Ainda Venezuela (aditado)

Clima generalizado de suspeita sobre as sondagens. Sobre a Penn, Shoen & Berland, cujas sondagens dão Rosales bem perto de Chávez, algumas notícias - cuja proveniência merece, ela própria, algum cepticismo - relata antigas acções fraudulentas. Realmente, a reputação da PSB é a de associar com excessiva facilidade aos actores políticos locais: veja-se Itália e os trabalhinhos para Berlusconi. E reconheça-se que não é fácil acreditar nestas sondagens quando se lê esta notícia sobre a garantida "vitória por avalanche" de Rosales na ... www.petroleumworld.com...

Mas entretanto, vale a pena ler os resultados desta experiência, onde diferentes inquiridos numa sondagem preencheram o voto com canetas de cores diferentes, de forma a se estimarem os efeitos da percepção de que a sondagem poderia estar associada a diferentes candidaturas. Friederich Welsch é um politólogo com obra publicada. Isto não garante tudo, mas ajuda, e o argumento - a "espiral do medo" - é plausível.

Mas a lição final talvez seja esta: quando não se pode confiar nas eleições, também não se pode confiar nas sondagens.

P.S. - Ilustração do ponto anterior: resultados eleitorais vs. sondagens à boca da urnas na Venezuela.

P.P.S. - E um post, desta vez criticando as sondagens "chavistas".

Mais Venezuela

Este é mais um exemplo de como o conhecimento do contexto é vital e o meu é, para ser generoso, limitadíssimo (talvez um português que esteja na Venezuela e que leia isto possa ajudar, mas duvido que o Margens de Erro chegue tão longe...)

Eis que logo depois de avisar aqui acerca das sondagens que dão Rosales muito perto de Chávez para as eleições do dia 3 de Dezembro, surge esta (relatório completo, .pdf), da IPSOS, que coloca Chávez com uma vantagem brutal. A IPSOS é uma grande multinacional e não costuma brincar em serviço, mas haveria que saber mais sobre quem está a fazer o trabalho na Venezuela. Pelos vistos, é a IPSOS-Brasil, que esteve ausente de tudo o que foram sondagens para as presidenciais brasileiras publicadas nos media... Mas especulo: olho para a variedade incrível de resultados nas sondagens para as presidenciais na Venezuela e não sei o que pensar. O melhor é continuar a seguir aqui.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Popularidade líderes políticos, Portugal

Nova sondagem da Marktest para DN e TSF, aqui (.pdf). O gráfico seguinte mostra a evolução do saldo entre as percentagens de opiniões positivas e negativas para Sócrates, Marques Mendes, e Cavaco (e Sampaio como ponto de comparação para este último) nas sondagens de Marktest desde Março de 2005:

Mantém-se a discrepância de valores entre a Eurosondagem (a azul) e a Marktest (a verde) no que respeita a Sócrates. Numa, Sócrates tem estado relativamente estável e até com tendência de subida. Noutra, Sócrates desceu abruptamente em Outubro, e agora pouco recupera. Vá-se lá saber.


Os gráficos estão feitos um bocado à pressa, mas estou sem tempo para mais.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Surpresa na Venezuela?

Fast Venezuela, N=2288, última semana de Outubro

Which candidate would you vote for in the presidential election?
Hugo Chávez (MVR): 49%
Manuel Rosales (UNT): 47,6%
Benjamín Rausseo (Piedra): 1.3%

Reacção previsível da candidatura Chávez: "Mario Issea, one of Chávez’s campaign coordinators, said the president would earn a new term adding, 'The phoney polls are trying to establish a trend to allow Rosales to claim fraud, but true surveys and the people are corroborating that Chávez will win.' "

Para uma análise dos números recentes, ver aqui, onde não é fácil distinguir quais serão as "phoney polls" e quais serão os "true surveys"... A seguir com muita atenção, especialmente porque não é de todo garantido que Chávez esteja inteiramente disposto a, digamos, perder.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Off topic: o livro de Santana Lopes

Pareceu-me muitíssimo acertado o artigo de Rui Ramos hoje no Público (só para assinantes) sobre o livro de Pedro Santana Lopes. A ideia com que se fica no final da leitura do livro é que tudo aquilo que lemos nos jornais é verdadeiro. Quando digo que o que lemos nos jornais é “verdadeiro” não me refiro aos “factos”, mas sim àquilo que a cobertura política nos jornais nos transmite sobre o que significa “fazer política”: ressentimentos, amizades, vinganças, recompensas, empatias, antipatias, produzir e desfazer “impressões” e gerir aparências.

Devido à sua absoluta falta de auto-reflexividade, Santana Lopes parece não se dar conta que, ao mesmo tempo que ensaia uma “denúncia” desta forma de fazer política, o que escreve revela-o como não sabendo fazer outra coisa. E levanta a suspeita que aquilo que o distingue dos seus colegas de profissão, amigos ou inimigos, é simplesmente o facto de não se aperceber do que está a revelar: que para todos eles, como escreve Rui Ramos, o eleitorado não passa de “um mero reflexo de intrigas de bastidores”. Não sei se iria ao ponto de, como Rui Ramos, designar Santana Lopes ou Durão Barroso como representativos desta “camarilha” que é, supostamente, a nossa classe política. Mas se não serão rigorosamente representativos, também não poderão ser casos únicos, nem no seu partido nem nos outros.

Um aspecto que Rui Ramos não menciona é a forma como esta concepção da política é inteiramente cega em relação aos “formalismos” institucionais, ou pelo menos aos que realmente contam (é sensível apenas aqueles que são destituídos de consequências mas fazem parte da “gestão da imagem”). Por exemplo, um dos factos que Santana Lopes relata, e que encara com absoluta naturalidade, é o facto de, ainda enquanto Presidente da Câmara de Lisboa, receber com grande frequência nos Paços do Concelho pessoas que com ele vinham tratar de assuntos de “governo”. Por exemplo, Cardoso e Cunha, em conflito com Fernando Pinto na TAP. Na Câmara Municipal de Lisboa? Mas claro: quem melhor do que o “número dois” do partido, mas também Presidente da Câmara, para fazer chegar as suas preocupações ao Primeiro Ministro, mas também presidente do partido? Tudo normal.

terça-feira, novembro 21, 2006

Parce que c'est une femme

Não comecei já a coligir dados sobre as presidenciais em França porque as sondagens existentes ainda vêem lidando com muitos e diferentes cenários. Agora que Ségolène Royal foi nomeada candidata pelo PS francês, a coisa simplica-se, mas falta ainda a nomeação de Sarkozy. Na UMP, esperneia-se, mas a coisa é inevitável.

Não é novidade para ninguém que Royal e Sarkozy dominam as sondagens. Sarkozy quase sempre à frente em intenções de voto na 1ª volta, e praticamente empatados para uma segunda volta. Exemplos: Ipsos; TNS-Sofres; CSA.

Entretanto, o CEVIPOF (o Centro de Pesquisa Política de Sciences Po) vem fazendo um série de estudos muito recomendáveis, enquadrados no "Barómetro Político Francês" e com trabalho de campo feito pelo IFOP. O último relatório (.pdf) está aqui.

No Canhoto, mencionava-se há dias esta frase de SR no debate das primárias do PS: Qu'est-ce qui fait ma différence? Il y en a une visible, sur laquelle je n'insisterai pas.

Pois de facto não vale a pena insistir. Sondagem da IPSOS, de 18 de Novembro:

Ségolène Royal vient d’être désignée candidate du PS à l’élection présidentielle. Vous, personnellement, qu’est-ce qui vous attire le plus dans la candidature de Ségolène Royal ?

Resposta mais mencionada: "parce que c'est une femme" (37%).

segunda-feira, novembro 13, 2006

Eleições americanas 5

A verdadeira história sobre as eleições americanas começa a emergir:

1. Fortíssima correlação entre aprovação de Bush e comportamento de voto nas eleições estaduais (.pdf) entre os que aprovam Bush, 84% votaram em candidatos Republicanos; entre os que desaprovam (a maioria), 83% votou em candidatos Democratas. Falta ainda saber, claro, até que ponto uma (a aprovação de Bush) e outra (o comportamento de voto) foram predeterminadas pelas predisposições partidárias e ideológicas dos eleitores

2. Fortíssima correlação entre aprovação da guerra do Iraque e comportamento de voto nas eleições: entre os que estão contra a guerra (a maioria), 80% votaram em candidatos Democratas; entre os que estão a favor, 80% votaram Republicano. Mas aqui, convém não sobrestimar o efeito líquido que esta atitude em relação à guerra poderá ter tido na decisão de voto. Muitos do que são contra a guerra votariam Democrata com ou sem guerra, pelo simples facto de que são eleitores fieis do partido.

3. Contudo, quer a aprovação de Bush quer a opinião sobre a guerra (elas próprias, certamente, muitíssimo correlacionadas) algum efeito líquido terão de ter tido nestas eleições, porque a principal mudança ocorreu entre os eleitores independentes (sem identificação partidária) e ideologicamente moderados: foi entre estes que se deu a viragem fulcral a favor dos candidatos Democratas (ver aqui). Mais análises terão de ser feitas para sabermos até que ponto a opinião sobre Bush e/ou sobre a guerra terá sido o factor decisivo para estes eleitores decisivos, mas é implausível que tenham sido irrelevantes.

4. Dito isto, estas eleições não sinalizam um realinhamento ideológico ou partidário fundamental do eleitorado americano. Não há sinais de que as bases sociais e religiosas do Partido Republicano tenham sido significativamente abaladas. O que parece ter sucedido, para além do partido Republicano ter sido abandonado por independentes e moderados, foi uma mobilização diferencial dos eleitorados de cada partido, mais baixa para os eleitores Republicanos do que para os eleitores Democratas.

A popularidade de Sócrates

Escreveu-se muito, incluindo aqui, sobre a última sondagem da Marktest, divulgada no Diário de Notícias, que apontava para uma súbita descida da popularidade de José Sócrates. Mas avisou-se também, por exemplo aqui, que uma sondagem era apenas uma sondagem.

Pessoalmente - mas isto era apenas um "gut feeling" - pareceu-me que a sondagem da Marktest terá medido qualquer coisa real. A descida ocorreu após uma série de acontecimentos que previsivelmente deveriam ter impacto sobre a popularidade do Primeiro Ministro. Contudo, os resultados da sondagem realizada pela Eurosondagem e divulgada no Expresso colocam isto em dúvida, ou melhor, sugerem uma hipótese alternativa: a de que quem sofreu em termos da avaliação popular foi o governo, e não o Primeiro Ministro.

Para repetir uma banalidade, mais uma sondagem é só mais uma sondagem. Entretanto, há que esperar por mais resultados. Contudo, a espera pode não resolver todas as dúvidas. Como podem ver se seguida, apesar da Marktest e da Eurosondagem mostrarem resultados que parecem seguir as mesmas tendências (sendo que assistimos agora, precisamente, à principal excepção), há discrepâncias a nível absoluto entre elas (maior popularidade para Sócrates na Eurosondagem) cuja explicação me escapa completamente.

Simplismos e simplismos

No passado dia 9, João Miranda, no Blasfémias, escreveu um post onde apontava o "simplismo" daqueles que, analisando os resultados das últimas eleições americanas, dão como explicação desses resultados a avaliação que os americanos hoje fazem da invasão do Iraque. Critiquei alguns aspectos desse post aqui.

Agora, JM responde, dizendo que a única coisa que quis fazer foi chamar a atenção para o simplismo desse tipo de análise, e que só procurou "provar" que ela não teve em consideração alguns factos óbvios. E acrescenta que

"não pretende provar nenhuma tese sobre os resultados das eleições americanas, pretende apenas provar que as análises que estão a ser feitas não provam que o Iraque foi o principal factor que levou os eleitores a votar nos democratas."

Eu acho que isto estaria correctíssimo se tivesse sido realmente aquilo que JM fez no post mencionado. Mas não foi. Na verdade, aquilo que JM fez foi não apenas apontar o simplismo das análises que apontam o Iraque como causa da derrota do Partido Republicano, mas também defender a teoria de que o Iraque não foi a principal causa da derrota do Partido Republicano. Dizer que uma hipótese pode não ser confirmada pelos factos e dizer que uma hipótese é infirmada pelos factos são duas coisas muito diferentes.

Os dados avançados por JM que, cito o post, "contrariam a tese de acordo com a qual o Iraque foi o principal factor que levou os eleitores a votar nos democratas" são os seguintes:

1. Os partidos dos presidentes americanos são sempre penalizados nas eleições realizadas no sexto ano do seu mandato, mas isso deve-se, em parte, "ao cansaço do eleitorado em relação a quem está no poder";

2. Nas sondagens à boca das urnas, os próprios eleitores explicaram as suas razões, "e o que os próprios eleitores disseram foi que as suas principais preocupações são a corrupção, o terrorismo, a economia e Iraque. Exactamente por esta ordem."

3. Candidatos republicanos que se opuseram à invasão do Iraque foram derrotados nas urnas. "Se o Iraque foi um factor, porque é que os eleitores decidiram penalizar precisamente aqueles republicanos que votaram contra a invasão?"

Sucede que estes argumentos não servem para "contrariar a tese de acordo com a qual o Iraque foi o principal factor que levou os eleitores a votar nos democratas":

1. O argumento 1 aponta uma regularidade empírica - as eleições realizadas a meio de um segundo mandato são sempre mais penalizadoras para o partido do presidente do que as eleições realizadas a meio de um primeiro mandato - mas essa regularidade em nada impede que, nestas eleições, as atitudes sobre o Iraque tenham sido as que mais influenciaram a decisão do voto directa ou indirectamente (contribuindo para a formação da opinião sobre a actuação do Presidente e do seu partido, que se saber ter sempre enorme peso na decisão de voto e nos resultados deste tipo de eleição).

2. O argumento 2. não serve por razões já explicadas aqui e aqui.

2. O argumento 3. confunde um resultado agregado (vitória ou derrota) com decisões individuais dos eleitores, e em nada refuta a hipótese de que, entre os muitos factores que podem influenciar esses decisões, a opinião sobre o Iraque possa ter sido a que (directa ou indirectamente) tenha tido mais peso.

Gosto de muitos posts de JM no Blasfémias. Têm quase sempre a característica de desafiarem o "senso-comum", apresentando ângulos novos para olharmos para uma questão ou desmontando falsos pressupostos na base dos quais algumas conclusões "óbvias" são tiradas nos meios de comunicação social. Contudo, por vezes - como agora, ou quando escreve sobre o "aquecimento global" - desafiar o senso comum confunde-se com desafiar o bom senso. Neste caso, os argumentos que avança para infirmar a hipótese de que o Iraque terá sido o principal factor nestes eleições são tão débeis como os argumentos que têm sido avançados para confirmar a mesma hipótese, apesar de aparecerem revestidos de uma aparentemente maior "objectividade" e "atenção aos factos". É só este último aspecto que, aliás, fez com que essa sua análise tenha merecido o meu comentário: mais perigoso que o senso comum só o senso comum que ostenta uma pretensa objectividade.

É também isto que, diga-se, abre o flanco a uma crítica adicional que outros - que não eu - lhe possam querer fazer, a mesma que, sem qualquer fundamentação a não ser a do palpite, JM faz àqueles que defendem que o Iraque foi o principal factor nestas eleições: a de ter formado "opinião muito antes de saírem os primeiros resultados com base em preconceitos e não com base em factos."

sexta-feira, novembro 10, 2006

Peço desculpa...

...e não é para ser chato ou para me armar em esperto, mas esta discussão, no que diz respeito às causas dos resultados das eleições americanas, é um bocado absurda. Dizer que factores específicos explicam ou deixam de explicar as decisões dos eleitores em eleições como as de anteontem - para além do sobejamente demostrado efeito da avaliação da actuação do Presidente, o que aliás revela que há muito de "não local" nestes resultados - olhando para resultados agregados de sondagens à boca da urnas é a mesma coisa que escrever uma tese sobre física sub-atómica olhando muito perto e durante muito tempo para um bloco de cimento. Uma perda de tempo.

Primeiro, porque as sondagens à boca das urnas olham apenas para votantes e não para eleitores, impedindo a explicação de um elemento central nos resultados eleitorais e na punição aos governos: quem decide não votar. Segundo, porque a análise dos factores explicativos do comportamento eleitoral tem de ser multivariada e utilizando controlo estatístico - noções com que julgo o João Miranda deverá estar mais do que vagamente familiarizado - e não se faz comparando resultados agregados de uma suposta causa com resultados agregados de uma suposta consequência. Terceiro, ao contrário do que sugere o João Miranda, explicar os comportamentos dos eleitores na base daquilo que eles dizem sobre as motivações do seu comportamento é o pior caminho possível: fica-se apenas com racionalizações. Finalmente, é preciso olhar ou para dados individuais ou, pelo menos, para bons e completos dados ecológicos. E se não se queria responder a simplismos com outros simplismos, o melhor era nem ter começado. Desculpem, mas é assim. O resto é conversa e retórica política. Tenham lá calma que não há de tardar muito até que as análises sérias comecem a aparecer.

P.S.- E explicar o habitual castigo ao "incumbent" na base de "cansaço" é pura preguiça. As explicações sérias são fáceis de encontrar. Basta ler blogues.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Depois (e antes) da tempestade, a bonança

Outra impressão que fica depois de ser ver, ouvir e ler o comentário político nos Estados Unidos no dia de hoje é a de que as eleições trouxeram uma enorme mudança qualitativa na forma como o tema do Iraque é tratado.

Já escrevi aqui hoje como me surpreendeu que vários comentadores e políticos tenham vindo assumir uma "derrota" no Iraque. Mas não é só isso: hoje, vendo a Fox - queria tomar o pulso à maneira como os Republicanos se sentem - a demissão de Rumsfeld foi, para todos os efeitos, celebrada. Cheney foi descrito como o "remaining hardliner", depois da substituição de Rummy por Robert Gates. Gates foi descrito como alinhado com Brent Scowcroft e um conservador "à moda antiga", pragmático e realista, "what we need right now". Dizia-se um pouco mais à frente como foram os "hardliners como Rumsfeld" que "nos colocaram nesta situação". E toda a gente, de repente, Republicanos incluídos, concorda com a necessidade de uma "mudança de direcção". Na semana passada a conversa era outra: "stay the course". Logo, independentemente daquilo que se venha a saber sobre o impacto da opinião dos eleitores sobre o Iraque nos resultados, é inequívoco que eles foram interpretados pela administração como sendo um julgamento (negativo) sobre a sua actuação no tema.

Mas a bonança pode durar pouco tempo. Este novo consenso impressiona também por ser absolutamente vazio de conteúdo. Mudar de direcção, mas como, e para onde? Ninguém sabe muito bem, e quem sabe não diz. Para os Republicanos, o melhor é transformar Rummy no bode expoiatório e co-responsabilizar agora os Democratas pela procura de uma solução, a ver se os custos desta coisa se diluem até 2008. E para os Democratas, o melhor prestar o necessário "lip service" à ideia que estão dispostos a "colaborar" com o Presidente, ao mesmo tempo que lhe deixam a tarefa de encontrar uma solução para o que não tem remédio evidente e vão propondo uma série de coisas (aumento do salário mínimo, reforma do sistema de saúde) que o Presidente não poderá senão vetar. A bonança não pode durar.

Até porque Robert Gates parece partilhar algumas das características políticas, pessoais e ideológicas do seu encantador antecessor:

He served Bush's father as deputy national security adviser and later as CIA director. He was a rare hardliner in the Bush 41 White House, famously suspicious of Mikhail Gorbachev and closer ideologically to then-Defense boss Dick Cheney than to Colin Powell and James Baker.

He was marked for higher office by Reagan CIA Director William Casey but was slowed in his rise by minor involvement in the Iran-Contra scandal in the late 1980s, when Gates was Casey's Deputy director at the agency.

During Gates' second CIA confirmation hearings he was charged with cooking intelligence by CIA insiders and making it more favorable to White House policy makers; Gates rebutted the charges sufficiently to get confirmed. Many Democrats voted against him nonetheless.

Gates is an affable, soft-spoken man who can tell a good story and has a generous sense of humor.

Um gajo porreiro.

Eleições americanas 4 (aditado)

Estou em Notre Dame, Indiana, por razões que nada têm que ver com as eleições americanas. Mas sempre se pode aproveitar para ir tomando o pulso ao que se passa aqui de uma maneira diferente daquilo que se pode fazer à distância.

Primeiro, circulam nos media e entre as pessoas com quem falei muitas teorias explicativas dos resultados, mas a ideia de que a eleição foi um referendo à governação de Bush predomina e é relativamente pacífica. De resto, é tudo menos nova. Sabe-se há muito tempo que, se é verdade que o partido que governa tende sempre a ser punido nas eleições midterm, a dimensão dessa punição é explicada, em grande medida, pela avaliação que os eleitores fazem da actuação do Presidente. E essa é a segunda mais negativa no pós-guerra em eleições a meio do mandato. Que a punição não tenha sido maior talvez se explique pelo facto de que a maioria dos lugares do Senado em disputa desta vez eram lugares seguros para os Democratas.

Mais difícil é dizer que tema concreto mais terá pesado nessa avaliação negativa e, por sua vez, na punição do partido Republicano. O Iraque é um bom candidato, tendo em conta que é o problema que a maioria dos eleitores mais destacaram como sendo importante, seguido do terrorismo e, só depois, a economia.* Mas a corrupção é outro tema importante. Saber se a forma como os eleitores se comportaram coincide com aquilo que disserem ser importante é matéria para análise futura.

Segundo, só uma grande distância dos Estados Unidos e algum desconhecimento sobre o funcionamento do seu sistema político permite dizer que estes resultados não têm grande importância para o futuro. Um Congresso Democrata é um Congresso cujas poderosíssimas comissões e subcomissões vão ser lideradas por Democratas, onde o Presidente vai ter muito mais dificuldades em fazer passar leis, onde o preenchimento dos lugares judiciais e de nomeação política conjunta vai ser feito por figuras mais moderadas (devido à necessidade de compromisso), onde a distribuição de benefícios particularistas a grupos de interesse vai mudar de destinatários (ou, provavelmente, devido à divisão de poderes, ser mitigada) e onde a actuação da administração vai ser muito mais vigiada. A cara de enterro dos pivots da Fox News não consente duas interpretações: a mudança de controlo partidário do Congresso é importantíssima. Ontem, James Carville lembrava a manhã seguinte, em 1994, na Casa Branca, quando a administração Clinton se deu conta que teria de lidar com uma maioria Republicana no Congresso: "um pesadelo. O nosso mundo tinha mudado".

Três observações mais impressionistas:

1. Pela primeira vez, vejo muitos comentadores e políticos articularem a frase "a guerra do Iraque está perdida", assim, sem tirar nem pôr. Ontem, William Kristol, um dos maiores defensores e ideológos da invasão, disse isto na Fox, assim mesmo. Ele, claro, põe as culpas em Rumsfeld. Zangam-se as comadres...

2. O tema da investigação em células estaminais parece ter tido grande importância. Ou pelo menos, assim o pensam os candidatos democratas: não ouvi um único discurso de vitória onde este tema não tenha sido mencionado até à exaustão. A razão está muito bem explicada aqui.

3. A outra impressão com que fico é que algo estranho parece ter acontecido ao Partido Democrata. Todos os candidatos que ouvi, nos seus discursos de vitória, martelaram exactamente os mesmos assuntos: Iraque e células estaminais, já mencionados, assim como ordenado mínimo e saúde. E vejo figuras como McAuliffe, Obama e Pelosi dizer que têm de "trabalhar com o Presidente". Até parece, por momentos, que o Partido Democrata se transformou num partido a sério: disciplinado, com um discurso coerente,e pragmático. Será? Os próximos dois anos vão dizer.

* Nas sondagens à boca das urnas, o tema mais mencionado não foi o Iraque, mas sim a corrupção. Mas estas sondagens, claro, têm como universo apenas os votantes, e não os eleitores, impedindo assim a análise das motivações de um acto altamente susceptível de ser usado para punição dos governantes e de produzir enormes efeitos a nível agregado: a abstenção.

Eleições americanas 3

Confirma-se eleição de senador Democrata no Montana. Só falta confirmar Virginia.

Donald Rumsfeld sai. Lá se vai a teoria de que as eleições não têm impacto na administração.

Eleições americanas 2

A Câmara dos Representantes, como previsto, passou para os Democratas. No Senado, tudo depende dos resultados em dois estados já mencionados aqui: Montana (1.700 votos de vantagem para o candidato democrata) e Virginia (8.ooo votos de vantagem para o candidato democrata).

segunda-feira, novembro 06, 2006

Eleições americanas

O melhor sítio para ficar com uma ideia do que pode suceder amanhã é o indispensável pollster.com, dos nossos conhecidos Mark Blumenthal e Charles Franklin. Na base de centenas de sondagens divulgadas, tudo aponta para que os Democratas ganhem uma maioria da Câmara dos Representantes, mas no Senado as dúvidas são maiores. Tudo depende do que acontecer em quatro estados: Montana, Missouri, Viriginia e Maryland. Em todos eles, há um Democrata à frente nas sondagens, mas em todos eles a margem é muito curta. E vai ser preciso que os Democratas ganhem todos os quatro estados para de facto "controlarem" o Senado: se houver um empate 50/50, quem fica com poder de desempate é esta gentil criatura.

Se acontecer o que realmente se espera - Democratas com a Câmara, Republicanos com o Senado - isso significaria que os modelos de previsão dos resultados estão correctos. Podem encontrar três aqui, cada um dando importância a variáveis diferentes, mas todos eles convergindo na mesma previsão genérica.