sexta-feira, novembro 16, 2007

A regulação das sondagens

Só pude assistir a dois painéis da conferência que a ERC organizou sobre a regulação das sondagens. Ao que parece, terei perdido o mais divertido, o do dia 14 de manhã, em que participaram alguns deputados. Um deles terá proposto que, para evitar a multiplicação de "erros", "fraudes" e "manipulações" em que o sector é, pelos vistos, pródigo, se deveria criar um "instituto público" dedicado a realizar sondagens, sob a dependência (sic) da Assembleia da República. Outro terá defendido o agravamento de multas a aplicar aos institutos de sondagens, sugerindo que a ERC passe também a utilizar como parâmetro da aplicação desses multas o grau de precisão com que as sondagens "acertam" nos resultados eleitorais.

Não vale a pena perder muito tempo a comentar estas duas pérolas. O exemplo do Centro de Investigaciones Sociológicas em Espanha, se os nossos deputados o conhecessem, talvez tivesse chegado. O CIS, dependente do governo espanhol, cumpre - como também foi explicado ontem por um membro da audiência - uma função importante, a de realizar inquéritos por questionário sobre temas de interesse público e académico. Mas quando se mete em sondagens político-eleitorais a coisa, geralmente, corre mal. Não é nem mais "preciso" nem "impreciso" que os privados e tudo o que faz é encarado - justa ou injustamente - sob um princípio de suspeição de favorecimento do governo do dia. Como assinalava Rui Ramos ontem à tarde, se se pusesse um "instituto público" a fazer as sondagens eleitorais, então é que nunca mais ninguém acreditava nelas. Sobre as multas para quem "não acerta", enfim, que dizer? Eu proponho que da próxima vez que um jornal pedir a um painel de economistas que faça previsões económicas para o ano seguinte haja um organismo público que, um ano depois, confronte as previsões com a realidade. Se falharem, multe-se.

Mais interessante é perceber que, excluindo os nossos deputados, os restantes actores relevantes - institutos, imprensa e regulador - começam a convergir num conjunto de ideias bastante sensatas. A primeira é a necessidade de mudar a legislação de forma a corrigir a sua falta de clareza e, nalguns casos, os seus erros técnicos, de que Vidal de Olveira deu alguns exemplos no dia 14 à tarde. A segunda é a ideia de que se deve clarificar quais os elementos técnicos da sondagem que devem ser obrigatoriamente divulgados pelos órgãos de comunicação social nas noticias sobre sondagens e quais devem ser publicitados de outra forma, seja através de um site da ERC, dos sites do órgãos de comunicação social ou dos próprios institutos.

Mais: que esses elementos mais completos da ficha técnica devem ser muito mais exaustivos do que são hoje e homogeneizados (para permitir comparabilidade). Aquilo que é depositado na ERC (e que é muito mais completo do que o que vem normalmente na comunicação social) deve ser mais completo e sistemático ainda e totalmente colocado ao dispor do público, para que os leitores interessados possam conhecer tudo aquilo que pode ajudar a explicar os resultados (e, logo, para que quem faz sondagens saiba que aquilo que está a fazer pode ser publicamente escrutinado e analisado pelos pares, especialistas e quaisquer pessoas interessadas). O resto é algo que o debate, a análise e a concorrência acabam por resolver. Aqui, é possível que alguns institutos venham a colocar resistências a esta ideia, alegando usar técnicas ou algoritmos "especiais", da sua própria "invenção", que constituem "tecnologia proprietária" e que não querem "ceder" à concorrência. Estas resistências têm que ser descritas como aquilo que realmente são: disparates algo suspeitos. Não há nada que qualquer instituto de sondagens use em Portugal que não tenha sido já "inventado", aplicado, testado, comentado e analisado noutro sítio qualquer. E se alguém tivesse realmente "inventado" alguma coisa genial, certamente já teria feito saber disso na literatura especializada.

Finalmente, começa a haver consenso em torno da necessidade de formas de co-regulação ou auto-regulação. E é curioso que seja o próprio regulador a desejar e estimular essa ideia. No relatório da ERC de 2006, os dois exemplos internacionais dados são de órgãos de auto-regulação (o NCPP e o BPC) e, no encerramento da conferência, foi o próprio membro da ERC com a tutela das sondagens que defendeu a ideia. Tudo bons sinais.

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